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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Afaste-se da multidão, por Osho

Ninguém é o que, por natureza, deveria ser. A sociedade, a cultura, a religião, a educação, tudo isso conspira contra crianças inocentes. Elas têm nas mãos todo o poder - a criança é indefesa e dependente, por isso o que quer que elas queiram fazer dela, conseguem. Elas não permitem que nenhuma criança cresça e cumpra seu destino natural. Todos os seus esforços visam a um único objetivo: fazer com que os seres humanos tornem-se alguma coisa útil. Se deixarem que a criança cresça à vontade, como saberão se ela servirá aos seus interesses escusos? A sociedade não está preparada para correr esse risco. Ela apodera-se da criança e começa a moldá-la para que se torne algo socialmente útil.

Num certo sentido, ela mata a alma da criança e dá a ela uma falsa identidade, de forma que ela nunca sinta falta da sua alma, do seu ser. A falsa identidade é um substituto. Mas esse substituto só é útil no grupo que lhe deu essa falsa identidade. No momento em que você está sozinho, o falso começa a se desintegrar e o real reprimido começa a se exprimir. Por isso o medo de ficar sozinho.

Ninguém quer ficar sozinho. Todo mundo quer fazer parte de um grupo - não só de um, mas de muitos. A pessoa pertence a um grupo religioso, a um partido político, a um Rotary Club... e existem muitos outros grupos para se pertencer. Ela quer ter apoio 24 horas por dia porque o falso, sem apoio, não consegue se sustentar. No momento em que ela está sozinha, começa a sentir uma estranha loucura. Por muitos anos você acreditou que era uma certa pessoa e então, de repente, num momento de solidão, começa a sentir que não é essa pessoa. Isso dá medo: quem sou eu, então?

E anos de depressão... levará algum tempo até que o real se expresse. A lacuna entre os dois costuma ser chamada pelos místicos de "a noite escura da alma" - uma expressão muito apropriada. Você não é mais o falso, mas ainda não é o verdadeiro. Você está no limbo, não sabe quem é.

No Ocidente, principalmente, o problema é até mais complicado, porque ali não se desenvolveu nenhum método para descobrir o real logo que possível e assim encurtar a noite escura da alma. O Ocidente não sabe nada sobre meditação. E a meditação é só um nome para se estar sozinho, em silêncio, esperando até que o real se firme. Não se trata de uma ação, é um relaxamento silencioso - porque o que quer que você "faça", isso virá da sua personalidade falsa... tudo o que você faz, há muitos anos, vem dela. É um velho hábito.

Os hábitos custam a morrer. Tantos anos vivendo com uma personalidade falsa, imposta por pessoas que você ama, que sempre respeitou... e elas não estão querendo fazer nada de mal a você. As intenções dessas pessoas eram boas, só lhes faltava discernimento. Elas não eram pessoas conscientes - seus pais, seus professores, os padres, os políticos - não eram pessoas conscientes, eram inconscientes. E até uma boa intenção nas mãos de uma pessoa inconsciente vira um veneno.

Por isso, sempre que está sozinho, surge um medo profundo - porque, de repente, o falso começa a desaparecer. E o novo leva um tempinho para se firmar, você o perdeu há tantos anos. Você terá que levar em consideração o fato de que precisa fazer uma ponte sobre essa lacuna de tantos anos.

Com medo - de que esteja se perdendo, perdendo o senso, a sanidade, a mente, tudo... porque o eu que os outros lhe deram é composto de todas essas coisas - é como se fosse focar louco. Imediatamente você começa a fazer algo só para ficar ocupado. Se não há ninguém por perto, pelo menos existe alguma ação, de forma que o falso possa ficar ocupado e não comece a desaparecer.

Por isso as pessoas acham que isso é mais difícil nas férias. Durante cinco dias elas trabalham, esperando que no final de semana possam relaxar. Mas o fim de semana é a pior hora do mundo - acontecem mais acidentes, mais gente se suicida, há mais assassinatos, mais roubos, mais estupros. Estranho... e essas pessoas ficaram cinco dias ocupadas e não houve nenhum problema. Mas, no fim de semana, tiveram uma chance, ou para fazer outra coisa ou para relaxar - mas relaxar é aterrorizante; a personalidade falsa desaparece. Continue ocupado, faça qualquer coisa idiota. As pessoas correm para a praia, pegam um congestionamento de quilômetros. E, se você perguntar a elas onde estão indo, vão dizer que estão querendo "fugir do tumulto da cidade" - e o tumulto todo está indo com elas! Estão indo para um lugar silencioso, solitário - todas ao mesmo tempo!

Na verdade, se tivessem ficado em casa, teriam mais silêncio e solidão - pois todos os idiotas teriam saído em busca de um lugar solitário. E estão correndo feito loucos, porque dois dias terminam rápido, eles têm que chegar - não pergunte onde!

Na praia, você vê... as pessoas ficam amontoadas, nem um supermercado fica tão lotado. E, o que é estranhíssimo, as pessoas se sentem muito à vontade, tomando banho de sol. Dez mil pessoas numa pequena praia tomando banho de sol, relaxando. A mesma pessoa na mesma praia, se estivesse sozinha, não conseguiria relaxar. Mas ela sabe que milhares de pessoas estarão relaxando junto dela. As mesmas pessoas estavam no escritório, as mesmas pessoas estavam nas ruas, as mesmas pessoas estavam no supermercado, agora as mesmas pessoas estão na praia.

A multidão é essencial para que o falso eu exista. No momento em que ele está sozinho, começa a enfraquecer. É por isso que é preciso entender um pouquinho de meditação.

Não fique preocupado, pois aquilo que corre o risco de desaparecer é muito bom que desapareça. Não faz sentido se agarrar a isso - não é seu, não é você.

Você é aquele que fica quando o falso se vai e o novo, o inocente, o despoluído emerge em seu lugar. Ninguém mais pode responder à pergunta "Quem sou eu?" - você poderá.

Todas as técnicas de meditação servem para ajudar a destruir o falso. Elas não dão a você o real - o real não é algo que se dê.

Aquilo que pode ser dado não pode ser real. O real você já tem; só o falso tem de ser eliminado.

Isso pode ser dito de um jeito diferente: o Mestre tira de você coisas que você na verdade não tem, e lhe dá o que você realmente tem.

Meditação é só a coragem de ficar em silêncio e sozinho. Devagar, muito devagar, você começa a sentir uma nova qualidade em si mesmo, uma nova vivacidade, uma nova beleza, uma nova inteligência - que não é emprestada de ninguém; ela está crescendo dentro de você. Ela tem raízes na sua existência. E, se você não for covarde, ela fluirá e florescerá.

Só os bravos, os corajosos, as pessoas de fibra podem ser religiosas. Não as que frequentam a Igreja - essas são covardes. Não os hindus, não os muçulmanos, não os cristãos - estes são contra a busca. A mesma multidão, ela está tentando fazer com que a falsa identidade fique mais consolidada.

Você nasceu, veio para este mundo com vida, com consciência, com uma tremenda sensibilidade. Basta olhar uma criança pequena - olhe nos olhos dela, no frescor. Tudo isso tem sido encoberto por uma falsa personalidade.

Não é preciso ficar com medo. Você só pode perde aquilo que tem de ser perdido. E é bom que perca logo - pois, quanto mais tempo permanece, mais forte isso fica.

E não se sabe o dia de amanhã.

Não morra antes de ser autêntico.

Só essas poucas pessoas são afortunadas, aquelas que viveram de acordo com esse ser autêntico e morreram de acordo com ele - pois elas sabem que a vida é eterna e a morte é uma ficção.

Extraído do livro "Coragem: o prazer de viver perigosamente"


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